O Engraxate e outras crônicas
Hermonegenes Ladeira lança, no dia 26, no Espaço V, livro com textos publicados na Viver Brasil
Como se estivesse diante de um passado palpável, o cronista Hermógenes Ladeira estende o olhar sobre a sacada de seu apartamento, em uma rua ainda tranquila da Savassi. Tem muita história para contar esse cearense de 77 anos, que chegou a Belo Horizonte aos 6, em plena Segunda Guerra, para viver com a família em um quarto da pensão da avó, na esquina entre a rua Espírito Santo e a avenida Augusto de Lima. Do primeiro emprego como engraxador de sapatos – lembrança adolescente que dá título ao livro O Engraxate e outras crônicas do Viver, que será lançado no dia 26 de agosto, no Espaço V, da VB Comunicaçao –, Hermógenes fez de tudo um pouco: formou-se em direito pela PUC Minas, trabalhou na sucursal mineira do icônico diário Última Hora, dirigido por Samuel Wainer, fundou e dirigiu a Companhia Alterosa de Cervejas, em Vespasiano, e, num golpe de mestre, vendeu a fábrica para a Antarctica, da qual foi um dos cabeças nas praças de Minas, Rio e São Paulo.
Casado com Diva Ladeira há 49 anos, o saudosista Hermógenes desfia, desde março de 2011, sua prosa aos leitores da Viver Brasil, em artigo assinado que passou a ocupar o nobre espaço da última página há exatamente um ano. “Recebi o convite do Paulo Cesar de Oliveira, o PCO, em uma viagem a Lisboa. Do hotel mesmo, escrevi 3 crônicas. Confesso que me surpreendi com o resultado, pois, desde a saída do Última Hora, só havia escrito por questões de circunstância”, conta. A própria passagem pelo jornalismo, aliás, foi circunstancial. Vindo de um emprego na Publicidade Danilo Valle, Hermógenes entrou para o jornal aos 19 anos, como redator de página de automobilismo – função que, 2 anos depois, foi ocupada pelo próprio PCO, que acabava de chegar a Belo Horizonte, vindo de Montes Claros, onde passou sua infância.
Mas Hermógenes descobriu a vocação mais marcante em outros departamentos do jornal. Primeiro, com apenas 21 anos, atuou como gerente regional de publicidade. Com o golpe militar de 1964, o governo fechou o Última Hora, ligado a Jango e ao getulismo. “Um ano depois, o jornalista Dauro Mendes, ex-integrante do diário, me convidou a participar de sua reabertura em Minas. Aceitei e passei a atuar como diretor comercial.”
Mas Hermógenes descobriu a vocação mais marcante em outros departamentos do jornal. Primeiro, com apenas 21 anos, atuou como gerente regional de publicidade. Com o golpe militar de 1964, o governo fechou o Última Hora, ligado a Jango e ao getulismo. “Um ano depois, o jornalista Dauro Mendes, ex-integrante do diário, me convidou a participar de sua reabertura em Minas. Aceitei e passei a atuar como diretor comercial.”
A grande virada veio em 1967. Aos 30 anos, Hermógenes trocou o cargo em um jornal de prestígio pela aventura da fundação da fábrica Companhia Alterosa de Cervejas – que, de início, não tinha nada de cervejaria, vale ressaltar. “O investimento necessário era de 10 milhões de dólares, mas os idealizadores da empresa não tinham nada, apenas a ideia, que, por pouco, não se transformou em um desastre lamentável. Hoje, ao me lembrar desses acontecimentos, sinto um frio na espinha”, relata Hermógenes, em um daqueles momentos em que o olhar se volta para o vívido retrato daqueles dias.
Antes da cerveja, o grupo lançou, em 1970, 2 refrigerantes,: o Mineirinho, feito de chapéu-de-couro, e o Guaraná Alterosa. Produto fluminense, apesar do nome, o Mineirinho não pegou por aqui. Já o Guaraná Alterosa... “Chegamos a vender mais que o Guaraná Antarctica”, lembra o cronista. Quando, em 1972, a etapa cervejeira finalmente foi inaugurada, Hermógenes implantou modelos de negócio pioneiros no Brasil, como engradados de plástico, garrafas descartáveis produzidas na França, embalagens sixpack, refrigerante de 1 litro, bem como a padronização dos caminhões de entrega e geladeiras nos bares. “Grandes fabricantes como Antarctica e Brahma não esperavam que a Alterosa vingasse e tivesse tantas inovações. Mas não inventamos nada. Apenas trouxemos o que já era aplicado em outros mercados do mundo.” O investimento se refletiu na produção: de 15 milhões de litros de cerveja produzidos em 1972, a companhia passou a 45 milhões em 1977.
Antes da cerveja, o grupo lançou, em 1970, 2 refrigerantes,: o Mineirinho, feito de chapéu-de-couro, e o Guaraná Alterosa. Produto fluminense, apesar do nome, o Mineirinho não pegou por aqui. Já o Guaraná Alterosa... “Chegamos a vender mais que o Guaraná Antarctica”, lembra o cronista. Quando, em 1972, a etapa cervejeira finalmente foi inaugurada, Hermógenes implantou modelos de negócio pioneiros no Brasil, como engradados de plástico, garrafas descartáveis produzidas na França, embalagens sixpack, refrigerante de 1 litro, bem como a padronização dos caminhões de entrega e geladeiras nos bares. “Grandes fabricantes como Antarctica e Brahma não esperavam que a Alterosa vingasse e tivesse tantas inovações. Mas não inventamos nada. Apenas trouxemos o que já era aplicado em outros mercados do mundo.” O investimento se refletiu na produção: de 15 milhões de litros de cerveja produzidos em 1972, a companhia passou a 45 milhões em 1977.
Faturamento triplicado, sucesso depois de muita batalha... O que fazer com o negócio? Vender. O embrião de fusões de grandes empresas já começava a dar as caras naquela época, em que um dos marcos foi a compra da Skol pela Brahma, em abril de 1980. A Antarctica deu sequência ao processo, adquirindo a fábrica da Alterosa, em Vespasiano, em julho do mesmo ano, por 165 milhões de cruzeiros, em negociação que já durava mais de 2 anos. “Apesar de todos os esforços, éramos um grupo pequeno.
Não aguentaríamos a competição por muito tempo e iríamos quebrar”, explica. Com o negócio formalizado e a posse da cervejaria, Hermógenes não saiu de cena. Ao contrário: em 1981, a assembleia geral do grupo Antarctica o elegeu como presidente da empresa em Minas, tornando-o responsável por toda a área comercial e financeira. Uma das primeiras providências da gestão foi agregar ao grupo a Companhia Itacolomy de Cervejas, de Pirapora, no Norte de Minas. “Também apresentei à Antarctica um projeto ambicioso de reformulação de imagem, investimento em publicidade e reforma do centro de distribuição. A proposta era dobrar a participação no mercado mineiro, que, na época, era de 26%”, relata o empreendedor. Com as medidas tomadas, o resultado foi superior às metas: em 1983, a cervejaria fechou o balanço anual com 62% no market share de Minas. “Só na fábrica de Vespasiano, eram 100 milhões de litros produzidos ao ano”, contabiliza.
A partir de números tão expressivos, a Antarctica apostou em Hermógenes para repetir o feito no Rio, na fábrica de Jacarepaguá. É claro que ele topou o desafio e, para lá, se mudou, em 1992. Nos bares fluminenses, a Brahma era a líder absoluta havia mais de 100 anos. O objetivo era quebrar esse hegemonia. “No espaço de 5 anos, a produção passou de 150 milhões para 450 milhões de litros.” O segredo da multiplicação de cervejas, diz Hermógenes, não foi investimento na qualidade do produto, que já era indiscutível há muito tempo. “Por trás de tudo, havia estratégias de marketing muito bem definidas, como o investimento em merchandising, ações de venda e padronização da apresentação e da distribuição do produto.”
O último capítulo de Hermógenes na Antarctica foi em São Paulo, a partir de 1997, na sede da empresa. “Era onde estavam consolidados todos os erros que entendia que deveria corrigir.” Por lá, porém, as coisas não aconteceram como o previsto: esbarrou na burocracia, excesso de cobranças e problemas de relacionamento. Ainda assim, ele conduziu a campanha São Paulo, capital da Antarctica, em parceria com a agência DM9, de Nizan Guanaes, um dos marcos publicitários da cidade. A Antarctica estava a um passo de se transformar na líder da praça, mas os rumores da fusão que daria origem à AmBev, em julho de 1999, já se anunciavam. Hermógenes se antecipou e se desligou do cargo de diretor comercial 3 meses antes.
De volta a BH, ele se sentiu novamente em casa. Por aqui, reencontrou a tal mineiridade vista por ele pela primeira vez na década de 1940, quando a família chegou à cidade em busca de melhores condições de vida. O olhar que resgata o passado volta, então, ao tempo em que brincava de bola de gude e jogava pelada com os amigos dos bairros Cruzeiro, Carlos Prates e Barroca, residências para as quais a família foi se mudando de acordo com a conveniência. Inquieto, não fica parado por muito tempo: faz uso de sua formação como advogado e gestor e passa a trabalhar com precatórios. Abre sua própria empresa, a PGP, com sede no Rio e escritório no Barro Preto. Passa os anos na ponte-aérea, até que problemas de coluna o forçam a ficar de cama por 6 meses. “Atualmente, tenho trabalhado graças ao computador e ao telefone.”
É de seu apartamento que saem as crônicas que o leitor da Viver Brasil aprecia quinzenalmente, um retrato do mosaico de culturas e influências desse homem. “Hoje, sei que alcancei o que pretendia justamente pela pluralidade de competências. Cada uma delas, a seu tempo, me trouxe algo a mais na formação da personalidade e da minha contribuição para um mundo melhor.”