Como a
Ambev planeja se reinventar nos próximos anos
Modelo de gestão para as empresas brasileiras, a
cervejaria Ambev está em busca de novos caminhos para si própria
Marina
Filippe, Karin Salomão
03.12.2020
Foi-se o tempo em que ser dona da Brahma, da Skol e da Antarctica e levar a eficiência a novos patamares ano
após ano bastava para garantir à Ambev a liderança absoluta do mercado de bebidas. Em um
mundo de carros elétricos e hambúrgueres de plantas, valer-se de uma receita de
sucesso não é mais suficiente. No caso da Ambev, significa colocar em risco a
dominância no mercado de cervejas, setor que vai faturar cerca de 578 bilhões
de dólares no mundo neste ano.
A concorrência vem se multiplicando em todos os nichos e sendo mais ágil
em responder a novos hábitos de consumo. Até varejistas online já passaram a
ser uma ameaça. Assim, a multinacional que surgiu da fusão entre as
arquirrivais Antarctica e Brahma em 1999 e durante décadas foi modelo de
sucesso para as empresas brasileiras mais ambiciosas agora se tornou o grande
exemplo de negócio que precisa se reinventar.
A urgência de uma guinada tem aparecido nos números. A margem de lucro da Ambev encolheu de 61,6% para 52.4%, no terceiro trimestre de 2020. A AB Inbev, que controla a Ambev e as unidades europeia e americana, vale hoje cerca de 110 bilhões de Euros na bolsa, 45% a menos do que há 5 anos. (...)
Enquanto isso, a participação de mercado da Heinekem, sua mais ruidosa concorrente no Brasil. passou de 10.3% para 19,6% em volume entre 2014 e 2017. O verão que deve marcar o começo do fim da Covid-19 - uma crise que chacoalhou o mercado de cervejas - deve dar uma grande mostra para onde vai o setor e seus principais atores.
A transformação da Ambev é radical. O senso de dono que a Ambev popularizou no Brasil, com funcionários sócios do negócio, segue firme e forte. Mas se une a uma cultura mais permissiva a erros e a uma atitude mais colaborativa. Aprender mais com os outros virou palavra de ordem para os 30.000 colaboradores. A mudança está sendo acelerada neste ano, que começou com a substituição de Bernardo Pinto Paiva por Jean Jereissati na presidência.
(...) "Meu propósito é manter a espinha dorsal da companhia, ouvindo mais e entendendo o que o consumidor está pedindo".
(...) Na bolsa brasileira B3, a cervejaria fez grande sucesso no período: seu valor de mercado se multiplicou por 4. Em paralelo, porém, a mudança se desenhava na preferência dos consumidores e na forma como grandes marcas se relacionam com os seus públicos - fornecedores, clientes , funcionários. As redes sociais impulsionam os ninchos, criaram comunidades e amplificaram a cobrança. Era preciso ser cada vez mais inovador, reforçar o storytelling e, além de tudo, testar constantemente novos canais de vendas e de contato. Ou seja: o fosso que a Ambev havia construído em torno de seu castelo desapareceu. As maiores empresas do mundo, não por acaso, deixaram de ser as grandes fabricantes de bens de consumo e passaram a ser as que empoderavam as multidões (pelos menos na teoria).
O mercado começou a questionar com mais força esse modelo de criação de grandes empresas de consumo com foco em marcas fortes, o princípio do fundo 3G Capital, na fusão das indústrias de alimentos Kraft Foods e Heinz, ocorrida em 2015. Dois anos depois da fusão, a Kraft Heinz fez uma proposta para incorporar a Unilever e se tornar ainda maior, o que acabou sendo recusado. Agora, uma reportagem do jornal Financial Times revelou que a empresa está negociando mais tempo com seus investidores para encontrar um novo peixão - se é que ele existe.
(...) As mudanças do mundo e novos dilemas da Ambev foram reconhecidos por seus controladores. Em um evento na Califórnia em 2018, Lemann disse que se sentia um "dinossauro apavorado" diante das mudanças rápidas no cenário de consumo. Em uma live transmitida durante a pandemia, Lemann voltou ao tema ao responder sobre o seu novo "sonho grande". Afirmou que seu grande sonho era reformar o sonho grande do passado - ou seja, mostrar que a Ambev seguia relevante neste novo mundo.
"Nos últimos anos, ocasiões de consumo mudaram, canais de distribuição mudaram e o cenário competitivo mudou, desafiando o centro de criação de valor da Ambev: a capacidade de forçar um preço sem perder espaço para a concorrência", diz um relatório do banco de investimento BTG Pactual.
Para acertar, fazer-se presente em diferentes ocasiões de consumo e manter-se no topo, foi preciso admitir que a gestão Ambev não é perfeita, e que não é mais possível crescer sozinho. A partir disso, a empresa começou a abrir. Atualmente, 13.000 startups fazem parte do ecosistema Ambev. A estrutura tecnológica e a preparação dos últimos anos foram essenciais na pandemia. O aplicativo de vendas Zé Delivery, por exemplo, foi baixado 3,3 milhões de vezes em 2020, ante a 1.47 milhão durante todo o ano passado, segundo dados da JP Morgan.
Hoje são mais de 2.000 pequenos varejos parceiros cadastrados na plataforma e entregam diretamente na casa do cliente. Outras operações digitais como e-commerce Empório da Cerveja e o programa de assinaturas Sempre em Casa, dão a companhia não só agilidade nas entregas, mas também permitem acesso a dados antes exclusivos dos varejistas, como frequência de compra e preferência de consumo do cliente, que passa a estar diretamente conectado à Ambev.
"O concorrente da Ambev não é só a Heineken, mas sim as empresas de tecnologia que conseguem conhecer melhor o cliente e escolher quais produtos priorizar", diz um ex-executivo da companhia. O Grupo Petrópolis, fabricante da Itaipaiva, também está de olho nessa tendência. Lançou o e-commerce Bom de Beer, que nesse ano passou a ter a parceria com os marketplaces de grandes varejistas, como Magalu e Amazon. "Ajuda a manter contato com o consumidor final e também da equipe de vendas com seus clientes", afirma Marcelo de Sá, diretor de controladoria do Grupo Petrópolis.
Saiba mais em: https://exame.com/revista-exame/o-novo-sonho-grande-da-ambev/?fbclid=IwAR2K-XpMLN-7B1xJ463rZi0G0saTSLQv1jwyZQkc8EUqTzWFWJOyN01nQtE