terça-feira, 2 de julho de 2019

Gestão de Riscos 2019



Gestão de riscos e a condução consciente

Por Henrique Oliveira*

Recentemente, lembrei-me de um filme estrelado pelo ator Michael J. Fox chamado “O Segredo do Meu Sucesso”, editado no ano 1987. Tratava-se de uma comédia romântica ao qual ele, um recém-formado de uma faculdade do Kansas, corre em busca do seu primeiro emprego em uma empresa ao qual seu tio distante se tornara presidente. Ao perceber a existência de um excesso de hierarquias, a burocracia dentro da organização, e o medo de encarar à alta direção, Fox se transforma de um simples office boy de serviços internos a um gerente da corporação, trocando de nome e de uniformes.

O que me fez relembrar a película, foi que naquele tempo empresarial, principalmente nos países de Primeiro Mundo, a leitura e a visão da hierarquia era nítida e definida. A Presidência e a Diretoria davam as cartas; os demais obedeciam e seguiam as ordens. A estrutura era piramidal: na base encontrava-se o time operacional, subindo em seguida para os níveis tático e gerencial e terminando na cúpula dos elementos pensantes. As mensagens, tanto internas quanto externas, eram transmitidas lentamente, por meio de memorandos datilografados e encaminhados por correspondências. Apesar da longevidade do filme de J. Fox, aquele tipo de hierarquia instaurada a séculos, ainda existe nos dias de hoje como, por exemplo, os sistemas católico e militar, onde o primeiro se inicia com o Leigo e termina com o Papa e o outro se inicia na figura do Soldado e termina no General. O tom do regime é ditado pelos que estão em cima, ou seja, “tone at the top”.



O ambiente dos anos 80 permitiam uma certa previsibilidade dos acontecimentos, os mercados eram mais lentos e os países extremamente distantes entre si. Quem conhecia sobre os mercados árabe ou chinês? Ninguém além dos próprios. Certamente isso ficava nas mãos dos árabes e dos chineses ou em grupos outliers, para a conjuntura da década. Havia pouca difusão da informação.  Os objetivos e os riscos corporativos abordados em uma organização apresentavam um olhar intrínseco, um dever dentro de casa a ser cumprido.

Entretanto, após o advento da internet, os cenários econômico e geopolítico mudaram e a comunicação ficou mais do que biônica. Está instantânea. Os mercados se abriram. Os acontecimentos em nível mundial passaram a ser divulgados de maneira escalonar, fragmentada, de forma disruptiva, indefinida e muitas vezes incerta, em questão de horas. É neste cenário que vem a seguinte questão: como gerenciar riscos em um ambiente de alta turbulência, com a existência de sistemas hierárquicos verticalizados, engessados e construídos num passado sem volta?

Pois bem: passou da hora da hierarquia quebrar paradigmas, descer do último andar e sentar em torno da mesa para escutar e discutir mais sobre os riscos que permeiam os negócios, com aqueles que vivenciam o dia a dia dos riscos, com foco nos objetivos estratégicos, nos impactos que poderão ocorrer no meio ambiente e na sociedade, com a visão de médio e longo prazos, ou seja, com sustentabilidade. Essa atitude é uma responsabilidade pessoal do conselho, da alta administração (basta lembrar do Artigo 302 da Lei Sarbanes Oxley) e demais envolvidos. Para obter sucesso, torna-se fundamental a construção e o exercício corrente de comitês de aconselhamento e assessoramento, formado por profissionais internos multidisciplinares e com habilidades capazes de questionar e levantar questões que possam impactar significativamente a continuidade da organização e a permanência saudável de seus stakeholders. Trata-se da atitude de pensar fora da caixa, fora do orçado. A compreensão de riscos ultrapassou a fórmula matemática, os impactos e as probabilidades. Deve-se haver compreensão humana. Deve-se medir as consequências do dano. O que foi tempestivamente aceito no passado passou a ser imprescindível hoje. Nessas circunstâncias, a intercessão contínua de profissionais externos especializados também é uma prática sempre bem-vinda, pois enriquece a tomada de decisão para os novos temas, sejam estes relevantes ou ainda complexos.

Por consequência, a informação não deve se mover de forma vertical e sim circular e multilateral. A confidencialidade deve ser revista e disseminada para melhor fluidez da informação, entre os envolvidos. A formalização dos riscos, bem como as suas respostas, deve estar bem redigidas e fundamentadas, para fins de manutenção e consulta, capaz de prover rastreabilidade da informação a tempo e hora. A análise dos impactos sociais e ambientais tornou-se imperativo. O compromisso da alta administração deve ser o de mover de “tone at the top” para “conduct at the top”, colocando efetivamente a mão na massa, fazendo efetivamente acontecer. Não basta dizer; deve-se conduzir. É uma mudança de cultura de riscos radical.

Acredito e muito nas empresas que levam a gestão corporativa de riscos “à risca”. Sua prática, quando firmada e executada de forma constante e consciente, torna-se um diferencial competitivo, reforça o estudo de caminhos que poderão levar a consciente consecução dos objetivos, auxiliando stakeholders a investirem melhor seus recursos, sabendo aonde estão pisando e com que estão lidando.

Afinal de contas, em se tratando de gestão de riscos, devemos nos importar em sermos globais, mais eficientes, assertivos, proativos e restaurativos do que apenas bem-intencionados.

*Henrique Oliveira é Gestor de Riscos Corporativos e Compliance Officer Cell

Créditos da imagem: Cpl. Theodore W. Ritchie Direitos autorais: This image has been approved for public release by Capt. Clark D. Carpenter, the Public Affairs Officer for the 22nd Marine Expe.

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