sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Riscos e Programas de Integridade



A Gestão de Riscos nos Programas de Integridade e Compliance

por Henrique Oliveira*


Desde o surgimento de leis e regulamentos robustos, pós escândalos de corrupção, negligências e ingerências empresarias, a primeira fase de um processo de formalização e adequação às normas normalmente se dá com elevada taxa de evidência substantiva dos fatos e acontecimentos que envolvem uma organização, que passam a estar diretamente submetida àquelas demandas legais.

À exemplo, em 2002, quando foi promulgada a lei Sarbanes-Oxley (SOx) nos Estados Unidos após os escândalos empresariais, os projetos de implantação de controles para atendimento àquela Lei foram imensos e custosos. A preocupação das empresas em não respeitar os diversos artigos da norma, principalmente a Seção 302 (que responsabiliza a alta direção pelas Demonstrações Financeiras e os controles internos) e Seção 404 (que emana a implantação de um programa eficiente e eficaz capaz de proporcionar razoável garantia de que os controles internos e gerencias são adequados para a confecção das Demonstrações Financeiras) surgiu uma demanda enorme de testes e formalizações de papéis de trabalho, de forma a evidenciar os ciclos, processos e controles existentes. Tal prática impactou em alto custo e uso demasiado do tempo de trabalho, tornando a validação geral num programa extremamente burocrático e quiçá desanimador.

Por volta de 2005, o Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB), órgão supervisor da Lei SOx, passou a publicar, com mais intensidade, padrões de auditoria e orientações que, naturalmente mantinham a proteção e preservação do pequeno acionista e demais stakeholders, contudo mencionavam a necessidade de ser focar na garantia da eficiência e eficácia dos controles internos, baseados em avaliação de risco. Esta mudança diminuiu drasticamente os trabalhos diminutos e de baixo valor agregado, e em contrapartida aumentou significativamente a qualidade dos resultados desejados, uma vez que o foco passou a ser voltado naquilo que realmente importa, ou seja, no impacto e na probabilidade de ocorrência de desvios, riscos de detecção e inerentes, que poderiam levar às deficiências significativas ou ainda fraquezas materiais sobre as Demonstrações Financeiras e o ambiente de controles internos.

No Brasil, com a publicação da Lei 12.846, em 2013, (Lei Anticorrupção) e, consecutivamente, a Lei 8.420 em 2015 que trata sobre os Programas de Integridade, consoante às outras leis internacionais (e.g.: FCPA, UK Bribery Act), algo semelhante vem ocorrendo, como nos primórdios da Lei Sarbanes-Oxley: a busca pela eficiência e eficácia em processos e controles que possam extirpar as práticas de desvio de cumprimento, corrupção, suborno, fraude ou ainda má conduta, em 100% dos casos e eventos. Esse pragmatismo de veras vem gerando uma demanda elevada de empenho, carga de trabalho, formalização e investimento em treinamento, qualificação e estruturação. Tudo indica que coqueluche do momento é se resguardar, com todas as evidências cabíveis as demandas do programa, para não incorrer no risco das multas, punições e sanções, além de danos à imagem e a reputação.

Nessas circunstâncias, para reduzir ou ainda evitar que os excessos se transformem em regra, torna-se importante desenvolver um Programa de Integridade efetivo, com base em fortalecimento de cultura ética e gerenciamento de riscos. A montagem de uma matriz de riscos robusta, lógica e que inclui o pensamento e a conduta exemplar da alta administração e de seus stakeholders é uma atitude fundamental para que o programa se evidencie, face aos possíveis questionamentos e interpretações do Poder Público ou do Estado. Nessa vertente, com um sistema coerente de gestão de riscos, compete aos Compliance Officers e suas equipes se certificarem quanto a correta classificação dos riscos, da montagem de cenários, dos cálculos dos impactos e suas probabilidades. Deve-se ter um histórico de eventos e sinais de alerta (“red flags”), bem como priorizar as situações que envolvam riscos de maior magnitude. Será que é realmente importante executar uma diligência em um prestador de serviços de coffe-break, cujo valor de seu trabalho é da ordem de trezentos reais? Ou ainda um pintor de paredes que cobrará mil reais por seus serviços, de forma não recorrente? Tais situações cabem análise e devem ser repensadas.

É consenso geral, dos que atuam diretamente com o tema, que o mais importante é focar naqueles parceiros que realmente representam a empresa de alguma forma e que poderiam colocar a conduta e a imagem da organização em cheque para com os entes públicos, tais como representantes de vendas, despachantes aduaneiros, escritórios de advocacia ou ainda transportadoras. Para esses, que muito das vezes são o braço direito da companhia, merecem um engajamento maior das equipes de Compliance, na disseminação da cultura empresarial, no way of working e na forma de como são conduzidos os negócios, por meio da oferta de treinamento, aderência aos códigos de conduta e ética, políticas anticorrupção, sanções econômicas, diversidade, entre outros, além do incentivo à denúncia espontânea nos diversos canais disponíveis, sem haver dúvidas quanto à preservação ou retaliação do denunciante.

Acredita-se que, com a maturidade dos Programas de Integridade nas organizações brasileiras, as autoridades e instituições públicas e os demais stakeholders venham a compreender o quanto é fundamental a governança do Compliance, com abordagem em gerenciamento de riscos. É neste futuro cenário que o foco se direcionará a se preocupar com barreiras e fronteiras ostensivas e obscuras e não apenas em cercas vidas que decoram a paisagem.


Foto: alphaspirit

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